J. Carlos e Zé Carioca (testemunho de 1984)
1941 – Walt Disney visita o Brasil para a estreia do seu filme Fantasia. Tenta, sem êxito, levar J. Carlos para Hollywood, para trabalhar em seus estúdios. A respeito dessa visita conta Nássara(*), em depoimento de 1983:
-“Fiquei no estúdio do J. Carlos e comecei a procurar, ele desenhava naquelas folhas de cartolina muito grandes, quando fui surpreendido por um negócio que eu gostei imensamente. Eram estudos de um papagaio, feitos para uma revista de humor, de vida efémera, cujo título era Papagaio.
Gostei muito daqueles croquis. Tenho uma boa lembrança disso: era um papagaio desenhado em sequência, de maneira que dava até ideia meio cinematográfica, de movimento. E desenhado naquele traço delicado que caracterizava J. Carlos. Separei então as duas folhas de cartolina que continham os papagaios. J. Carlos, que continuava trabalhando, não concordou com a selecção, explicando que eram apenas croquis. Ao que eu respondi: “Mas eu estou gostando muito”.
Esses originais, mesmo sem aquele apuro de arte final, foram expostos junto com outros na mostra que organizamos na Escola de Belas Artes. Por ordem do doutor Assis Figueiredo, dediquei dois painéis grandes ao J. Carlos, que era a figura mais categorizada. E, se não me engano, o Walt Disney até tinha indicado que queria ver alguma coisa do J. Carlos.
No dia da abertura da exposição, dois fotógrafos da equipe do Disney começaram a fotografar aqueles painéis com caricaturas. Mas desses painéis do J. Carlos, eu pude observar que eles demoraram mais, principalmente, nessas folhas onde estavam desenhados os papagaios.
Bom. Passa-se o tempo e aí vem o filme Alô alô Brasil, onde aparece o Zé Carioca como um papagaio. Então, pensando bem agora, cheguei à conclusão de que o papagaio do J. Carlos deve ter tido influência na criação do Zé Carioca. Não digo que Disney plagiasse, mas tenho quase certeza de que deve ter influenciado. O que não é difícil constatar é que o papagaio desenhado pelo J. Carlos, a meu ver, é de qualidade artística superior ao do Walt Disney. O Zé Carioca é caricaturado demais, com um guarda-chuva e um chapéu de palha, mais parecendo um homem do interior.
Em síntese, essa é uma dúvida que pode ser apurada. Tenho a impressão de que, se não foi plágio, foi assim... por osmose! O Disney gostou muito do desenho de J. Carlos e, em vez de fazer um peixe ou um tico-tico, fez um papagaio."
(Depoimento de Nássara para Noriko Ohta)
(in
Funarte (Ed.) (1984) J.Carlos - 100 Anos, Funarte - Instituto Nacional de Artes Plásticas, Rio de Janeiro, pág. 53.)
(*)Antônio Gabriel Nássara, mais conhecido simplesmente como Nássara (Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1910 — Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1996) foi um compositor, caricaturista e desenhista brasileiro.
-“Fiquei no estúdio do J. Carlos e comecei a procurar, ele desenhava naquelas folhas de cartolina muito grandes, quando fui surpreendido por um negócio que eu gostei imensamente. Eram estudos de um papagaio, feitos para uma revista de humor, de vida efémera, cujo título era Papagaio.
Gostei muito daqueles croquis. Tenho uma boa lembrança disso: era um papagaio desenhado em sequência, de maneira que dava até ideia meio cinematográfica, de movimento. E desenhado naquele traço delicado que caracterizava J. Carlos. Separei então as duas folhas de cartolina que continham os papagaios. J. Carlos, que continuava trabalhando, não concordou com a selecção, explicando que eram apenas croquis. Ao que eu respondi: “Mas eu estou gostando muito”.
Esses originais, mesmo sem aquele apuro de arte final, foram expostos junto com outros na mostra que organizamos na Escola de Belas Artes. Por ordem do doutor Assis Figueiredo, dediquei dois painéis grandes ao J. Carlos, que era a figura mais categorizada. E, se não me engano, o Walt Disney até tinha indicado que queria ver alguma coisa do J. Carlos.
No dia da abertura da exposição, dois fotógrafos da equipe do Disney começaram a fotografar aqueles painéis com caricaturas. Mas desses painéis do J. Carlos, eu pude observar que eles demoraram mais, principalmente, nessas folhas onde estavam desenhados os papagaios.
Bom. Passa-se o tempo e aí vem o filme Alô alô Brasil, onde aparece o Zé Carioca como um papagaio. Então, pensando bem agora, cheguei à conclusão de que o papagaio do J. Carlos deve ter tido influência na criação do Zé Carioca. Não digo que Disney plagiasse, mas tenho quase certeza de que deve ter influenciado. O que não é difícil constatar é que o papagaio desenhado pelo J. Carlos, a meu ver, é de qualidade artística superior ao do Walt Disney. O Zé Carioca é caricaturado demais, com um guarda-chuva e um chapéu de palha, mais parecendo um homem do interior.
Em síntese, essa é uma dúvida que pode ser apurada. Tenho a impressão de que, se não foi plágio, foi assim... por osmose! O Disney gostou muito do desenho de J. Carlos e, em vez de fazer um peixe ou um tico-tico, fez um papagaio."
(Depoimento de Nássara para Noriko Ohta)
(in
Funarte (Ed.) (1984) J.Carlos - 100 Anos, Funarte - Instituto Nacional de Artes Plásticas, Rio de Janeiro, pág. 53.)
(*)Antônio Gabriel Nássara, mais conhecido simplesmente como Nássara (Rio de Janeiro, 11 de novembro de 1910 — Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1996) foi um compositor, caricaturista e desenhista brasileiro.