O vínculo de Nossa Senhora da Esperança (O Comércio de Leixões 03/10/1980)
A ilustre família Brito e Cunha, de Matosinhos
Os ascendentes da numerosa e ilustre família Brito e Cunha, foram lídimos administradores e senhores do antigo vínculo de Santa Maria, vínculo que, quando chegou à posse da terceira sucessora, D. Violanta Aranha, casada com Dr. Heitor da Cunha, passou a chamar-se de Nossa Senhora da Esperança e também a ser conhecido pela designação de Morgado da Cunha.
Passemos em branco os sequentes administradores deste morgadio, por não interessarem para o nosso caso e, para evitar a prolixidade, citemos apenas os restantes.
14.º) - D. Teresa Bárbara da Cunha e Vasconcelos, irmã de Jerónimo Luís da Cunha e Vasconcelos e de Pedro da Cunha Carneiro de Castro e Vasconcelos (12.º e 13.º morgados, respectivamente), falecidos os dois em estado de solteiros.
Esta senhora, casou com António Bernardo Álvares de Brito, senhor da Casa do Ribeirinho, em Matosinhos.
15.º) - António Bernardo de Brito e Cunha, filho do casal antecedente, que foi Cavaleiro Professo das Ordens de Cristo e da Conceição, bem como Contador da Real Fazenda, na cidade do Porto, onde nascera no ano de 1782.
Constitucionalista acérrimo e defensor dos seus ideais, participou na malograda sublevação de 16 de Maio de 1828, contra D. Miguel, do que lhe resultou ter sido condenado a pena última, sob a acusação de ter recebido na sua residência do Ribeirinho os chefes liberais vindos de Inglaterra e ainda de haver tomado parte activa na eleição da Junta do Governo Provisório e desempenhado os cargos de vogal da Junta do Tesouro e de deputado da Real Companhia dos Vinhos do Alto Douro.
Preso à ordem da Alçada absolutista enviada ao Norte, por o considerarem agitador político sobremodo perigoso, recolheu ao Castelo de S. João da Foz e, daqui, volvidos alguns meses, transitou para a Cadeia da Relação, de onde, pelas dez horas da manhã do dia 7 de Maio de 1829, envolvido numa túnica, descalço e de baraço ao pescoço (acompanhado de mais nove desventurosos correligionários), seguiu em direitura ao patíbulo erguido na Praça (actual Praça da Liberdade), da cidade do Porto, no qual foi barbaramente enforcado, tendo a sua cabeça ficado em exposição num alto poste colocado na praia de Matosinhos.
Consequentemente e apenas por efeito de ideologias opostas, foi Brito e Cunha supliciado ao mando dos seus odiosos adversários.
Os seus restos mortais, bem como os dos seus companheiros de infortúnio, a quem mais tarde cognominaram de «Mártires da Pátria», foram removidos em Abril de 1836 para o átrio da Igreja da Misericórdia do Porto e dali trasladados, 40 anos depois, para um mausoléu mandado construir para esse fim no Cemitério do Prado do Repouso, da mesma cidade.
16.º) - João Eduardo de Brito e Cunha, filho do casal anterior, outro ferrenho partidário de D. Pedro, falecido no ano de 1849.
Como desforço do que fizeram a seu pai António Bernardo, chegou a organizar, em 1828, um batalhão de voluntários. Porém, no ano imediato, quando a ameaça dos Miguelistas se tornou mais intensa, escapuliu-se para o estrangeiro, regressando à sua Pátria encorporado nos 7500 bravos do Mindelo, para, como soldado raso, se bater pelo seu ideal, integrado no heróico Corpo dos Voluntários da Rainha.
17.º) - Outro António Bernardo de Brito e Cunha, falecido, sem descendência, em 1859.
18.º) - Conselheiro João Eduardo de Brito e Cunha (segundo com este nome), irmão do precedente, nasceu em 1841 e faleceu em Abril de 1910.
Foi casado com D. Beatriz de Oliveira Maia, tendo sido o último possuidor e administrador do vínculo de Nossa Senhora da Esperança e Morgado da Cunha.
O Conselheiro Brito e Cunha fez parte da Câmara Municipal de Bouças. na vereação de 1890, assim como, em 1904, de uma comissão, juntamente com outros conterrâneos, para recolha de fundos destinados à electrificação da Rua Brito Capelo e da denominada «Sala de Visitas», em Leça da Palmeira, nesse tempo, um luxo!
Se o vínculo de Nossa Senhora da Esperança tivesse sequência - o que não aconteceu - o legítimo sucessor, por direito, seria o filho primogénito do casal anterior, Rui Maria de Brito e Cunha (morto por afogamento, em 21 de Agosto de 1918, na praia de Matosinhos), vice-cônsul de Itália, no Porto, casado com D. Elisa da Rocha Silva Nogueira e, depois (meados do século decorrente), teria sido o neto do citado Conselheiro, Engenheiro João de Brito e Cunha, administrador da Câmara de Falências, no Tribunal do Porto.
O Engenheiro João (Eduardo?) de Brito e Cunha teve papel relevante na concepção e coordenação da Exposição «Matosinhos de Ontem e de Hoje», patente entre 26 de Abril e 3 de Maio de 1953, na prestimosa Casa dos Milagres, bem como na inventariação dos «marcos de domínio» que figuraram na Exposição Comemorativa do 1.º Centenário da Vila.
Este benquisto descendente da família Brito e Cunha, é possuidor do valioso Arquivo particular do Morgado da Cunha.
No seu recheio, figura uma transcrição do testamento de Rui Gonçalves, arcediago da Sé do Porto e instituidor da Capela de Santa Maria, sede do vínculo.
Por este documento testamentário, celebrado em 4 de Maio e aprovado em 5 de Junho de 1450, verifica-se ter este sacerdote vinculado os seus avultadíssimos bens em diversas localidades, deixando também vários legados à Sé portuense e às freguesias onde havia sido beneficiado.
Para velarem pejo cumprimento destas disposições testamentais, encarregou, Rui Gonçalves, o chantre e o tesoureiro da Catedral, dando-se a cada um deles, em dia de Páscoa, um par de capões. Ora bravo!
A retribuição anual deste par de galos castrados, assim às primeiras impressões, parece-nos mesquinha. No entanto, o trabalho de vigilância confiado aos dois eclesiásticos, também não seria de fazer derrear a carcaça.
O Padre Rui Gonçalves, antes de morrer mostrou desejos de ficar sepultado na Igreja da Sé, junto da escada de acesso ao coro, ante o altar de S. Tiago, no que foi atendido.
Antes de terminar, diremos que este clérigo, verdadeiramente rico, vinha a ser irmão de Luís Gonçalves, 1.º senhor e administrador do supracitado vínculo de Santa Maria, do qual, como ficou explanado, descende a ilustre família Brito e Cunha, senhora da vetusta e nobre Casa e Capela do Ribeirinho, em Matosinhos.
Horácio Marçal
(in “O Comércio de Leixões” de 3 de Outubro de 1980 - Ano 73.º - 3.ª Série – N.º 3782 – pág. 1)
Os ascendentes da numerosa e ilustre família Brito e Cunha, foram lídimos administradores e senhores do antigo vínculo de Santa Maria, vínculo que, quando chegou à posse da terceira sucessora, D. Violanta Aranha, casada com Dr. Heitor da Cunha, passou a chamar-se de Nossa Senhora da Esperança e também a ser conhecido pela designação de Morgado da Cunha.
Passemos em branco os sequentes administradores deste morgadio, por não interessarem para o nosso caso e, para evitar a prolixidade, citemos apenas os restantes.
14.º) - D. Teresa Bárbara da Cunha e Vasconcelos, irmã de Jerónimo Luís da Cunha e Vasconcelos e de Pedro da Cunha Carneiro de Castro e Vasconcelos (12.º e 13.º morgados, respectivamente), falecidos os dois em estado de solteiros.
Esta senhora, casou com António Bernardo Álvares de Brito, senhor da Casa do Ribeirinho, em Matosinhos.
15.º) - António Bernardo de Brito e Cunha, filho do casal antecedente, que foi Cavaleiro Professo das Ordens de Cristo e da Conceição, bem como Contador da Real Fazenda, na cidade do Porto, onde nascera no ano de 1782.
Constitucionalista acérrimo e defensor dos seus ideais, participou na malograda sublevação de 16 de Maio de 1828, contra D. Miguel, do que lhe resultou ter sido condenado a pena última, sob a acusação de ter recebido na sua residência do Ribeirinho os chefes liberais vindos de Inglaterra e ainda de haver tomado parte activa na eleição da Junta do Governo Provisório e desempenhado os cargos de vogal da Junta do Tesouro e de deputado da Real Companhia dos Vinhos do Alto Douro.
Preso à ordem da Alçada absolutista enviada ao Norte, por o considerarem agitador político sobremodo perigoso, recolheu ao Castelo de S. João da Foz e, daqui, volvidos alguns meses, transitou para a Cadeia da Relação, de onde, pelas dez horas da manhã do dia 7 de Maio de 1829, envolvido numa túnica, descalço e de baraço ao pescoço (acompanhado de mais nove desventurosos correligionários), seguiu em direitura ao patíbulo erguido na Praça (actual Praça da Liberdade), da cidade do Porto, no qual foi barbaramente enforcado, tendo a sua cabeça ficado em exposição num alto poste colocado na praia de Matosinhos.
Consequentemente e apenas por efeito de ideologias opostas, foi Brito e Cunha supliciado ao mando dos seus odiosos adversários.
Os seus restos mortais, bem como os dos seus companheiros de infortúnio, a quem mais tarde cognominaram de «Mártires da Pátria», foram removidos em Abril de 1836 para o átrio da Igreja da Misericórdia do Porto e dali trasladados, 40 anos depois, para um mausoléu mandado construir para esse fim no Cemitério do Prado do Repouso, da mesma cidade.
16.º) - João Eduardo de Brito e Cunha, filho do casal anterior, outro ferrenho partidário de D. Pedro, falecido no ano de 1849.
Como desforço do que fizeram a seu pai António Bernardo, chegou a organizar, em 1828, um batalhão de voluntários. Porém, no ano imediato, quando a ameaça dos Miguelistas se tornou mais intensa, escapuliu-se para o estrangeiro, regressando à sua Pátria encorporado nos 7500 bravos do Mindelo, para, como soldado raso, se bater pelo seu ideal, integrado no heróico Corpo dos Voluntários da Rainha.
17.º) - Outro António Bernardo de Brito e Cunha, falecido, sem descendência, em 1859.
18.º) - Conselheiro João Eduardo de Brito e Cunha (segundo com este nome), irmão do precedente, nasceu em 1841 e faleceu em Abril de 1910.
Foi casado com D. Beatriz de Oliveira Maia, tendo sido o último possuidor e administrador do vínculo de Nossa Senhora da Esperança e Morgado da Cunha.
O Conselheiro Brito e Cunha fez parte da Câmara Municipal de Bouças. na vereação de 1890, assim como, em 1904, de uma comissão, juntamente com outros conterrâneos, para recolha de fundos destinados à electrificação da Rua Brito Capelo e da denominada «Sala de Visitas», em Leça da Palmeira, nesse tempo, um luxo!
Se o vínculo de Nossa Senhora da Esperança tivesse sequência - o que não aconteceu - o legítimo sucessor, por direito, seria o filho primogénito do casal anterior, Rui Maria de Brito e Cunha (morto por afogamento, em 21 de Agosto de 1918, na praia de Matosinhos), vice-cônsul de Itália, no Porto, casado com D. Elisa da Rocha Silva Nogueira e, depois (meados do século decorrente), teria sido o neto do citado Conselheiro, Engenheiro João de Brito e Cunha, administrador da Câmara de Falências, no Tribunal do Porto.
O Engenheiro João (Eduardo?) de Brito e Cunha teve papel relevante na concepção e coordenação da Exposição «Matosinhos de Ontem e de Hoje», patente entre 26 de Abril e 3 de Maio de 1953, na prestimosa Casa dos Milagres, bem como na inventariação dos «marcos de domínio» que figuraram na Exposição Comemorativa do 1.º Centenário da Vila.
Este benquisto descendente da família Brito e Cunha, é possuidor do valioso Arquivo particular do Morgado da Cunha.
No seu recheio, figura uma transcrição do testamento de Rui Gonçalves, arcediago da Sé do Porto e instituidor da Capela de Santa Maria, sede do vínculo.
Por este documento testamentário, celebrado em 4 de Maio e aprovado em 5 de Junho de 1450, verifica-se ter este sacerdote vinculado os seus avultadíssimos bens em diversas localidades, deixando também vários legados à Sé portuense e às freguesias onde havia sido beneficiado.
Para velarem pejo cumprimento destas disposições testamentais, encarregou, Rui Gonçalves, o chantre e o tesoureiro da Catedral, dando-se a cada um deles, em dia de Páscoa, um par de capões. Ora bravo!
A retribuição anual deste par de galos castrados, assim às primeiras impressões, parece-nos mesquinha. No entanto, o trabalho de vigilância confiado aos dois eclesiásticos, também não seria de fazer derrear a carcaça.
O Padre Rui Gonçalves, antes de morrer mostrou desejos de ficar sepultado na Igreja da Sé, junto da escada de acesso ao coro, ante o altar de S. Tiago, no que foi atendido.
Antes de terminar, diremos que este clérigo, verdadeiramente rico, vinha a ser irmão de Luís Gonçalves, 1.º senhor e administrador do supracitado vínculo de Santa Maria, do qual, como ficou explanado, descende a ilustre família Brito e Cunha, senhora da vetusta e nobre Casa e Capela do Ribeirinho, em Matosinhos.
Horácio Marçal
(in “O Comércio de Leixões” de 3 de Outubro de 1980 - Ano 73.º - 3.ª Série – N.º 3782 – pág. 1)